terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Vira latinha.


Poderiam inventar milhares de palavras para esse sentimento e mesmo assim eu não saberia que palavra escolher para expressa-lo. Crescemos juntas e não me esqueço de um dia de maio em que foi dada a mim. Depois de ter perdido duas outras cachorrinhas, minha tia disse que você poderia ser minha. Meus primos não gostaram da ideia. Mas é claro, quem gostaria de se desfazer do pedacinho de amor em forma de cachorro mais dócil do universo?
Tudo o que eu queria era poder ter um cachorro pra chamar de Totó. Foi assim que você virou Tatá. Pra ter certeza que ninguém iria mudar o seu nome, eu e meu primo a batizamos na pedra mais alta, como em Rei Leão. Mas daí,  não tínhamos aquela tinta vermelha pra passar na testa, então usamos água mesmo.
Você era assim, aquela bolinha pretinha com manchinhas douradas e amarelas, e que nunca chorava. E nunca chora, nem mesmo nos momentos mais difíceis. Eu sei que é chato dizer que alguém está sempre de bem com a vida, porque na verdade ninguém está sempre de bem com a vida. Mas você, simplesmente, é alguém que se dá otimamente bem com a vida. 
A questão é que você estava em todas as fases da minha vida. Da casa pequena à casa com grande quintal. Quando éramos só meninas até quando a família cresceu. E mesmo assim, você foi a primeira a acolher todo mundo. Seu coração é muito mais gigante do que a Terra. Até mesmo quando você ficou doente e chorávamos por não achar a saída, era você quem nos consolava com aquela patinha amiga.  Você é uma vira latinha única. 
Tudo isso pra dizer que meu coração foi laçado por seu companheirismo e que agora ele vive apertado com as circunstâncias. Detesto a voz da razão que me sopra que a qualquer hora pode ser a sua hora. Eu não imagino o mundo sem você me chamando pra passear, ou querendo comer minha comida durante as refeições.  
Até me senti culpada por ter sonhado aquela vez com quando você era uma cachorrinha alegre e brincalhona. Eu só queria descobrir que, na verdade, o tempo não passou pra você. Posso aceitar o tempo passar pra mim, mas talvez não pra você. Só quero que fique muito mais tempo pra me fazer companhia, tá bom? Porque não quero viver em um mundo sem ela.

Sandy Quintans

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Fardos pesados, sacolas leves

Minha irmã tenta todos os dias nos convencer  de que o fardo dela é pesado porque nós não facilitamos. E nós tentamos convencê-la de que, na verdade, o fardo só fica mais pesado com o tempo. A intenção não é desanima-la, mas sim fazer com que entenda que o melhor que ela pode fazer é aproveitar o momento do qual está vivendo. 
Temos a certeza de que ela vai sentir falta de quando o despertador que a empurrava da cama pela manhã éramos nós, e não a realidade. Vai sentir falta de quando as cobranças eram apenas para manter o dever de casa em dia e seu quarto organizado, e não do chefe mala que tenta ser legal. Parecem coisas pesadas demais a se dizer para uma menina de 14 anos, que quer crescer rápido demais. E cresce. Mas ela é dessas crianças que imploram por ouvir realidades, e a gente diz. 
Por sorte, nem só de coisas ruins são feitas a realidade. Existem aquelas pequenas coisas que anulam os momentos ruins. Que nos fazem carregar o fardo como uma sacola leve, até mesma vazia. A leveza da minha caminhada para o almoço era uma rua. Cheia de árvores e sombras que me refrescava por uma quadra. Ficava bem no meio do caminho. Era o oásis na metade da jornada no sol de meio dia. 
Foi assim, que eu dia eu passei pelo meu habitual caminho para almoçar e me deparei com aquela maravilhosa fileira de árvores, no chão. É isso mesmo, alguém foi lá botou ao chão o meu oásis, e em vez de sentir alívio por caminhar um pouco na sombra refrescante, sinto frustração. Todos os dias sinto raiva de ter que passar naquela rua. Comecei a pensar em caminhos alternativos, mas aquele é o menor. 
Como é que se explica pra minha irmã que as pessoas derrubam os oásis umas das outras? 

Sandy Quintans